Arantza UGARTETXEA
Tradução: Arantza UGARTETXEA
Versión original en español
Há mais de um ano e por meio de umas palestras sobre a língua e cultura bascas, realizadas por mim na Universidade de São Paulo (Brasil), fui convidada para participar da idéia de escrever algo, com um grupo de mulheres que, tendo vivido no Brasil, unia-nos também ter vivido os anos da pós-guerra espanhola. Creio que esta necessidade de literatura feminina da pós-guerra espanhola foi uma sensibilidade manifestada nas aulas de Espanhol, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, que a professora Maria Concepción Piñero Valverde (entre nós, Concha), canalizou em seu devido momento e, falando com umas e outras conseguiu um grupo reduzido para começar a andar pelo caminho da expressão literária feminina daqueles anos, de uma forma direta e pessoal, na qual finalmente oito mulheres tomamos parte.
![]() |
Sao Paulo, 2004. Vanessa Clemente de Souza, María de la Concepción Piñero Valverde, Elça Martins Clemente, Arantxa Ugartetxea Arrieta, Gretel Eres Fernández. |
A experiência foi, além de enriquecedora e coloquial, muito terapêutica. A partir da distância dos acontecimentos e de um marco geográfico eminentemente plural como é o Braisl, foi-nos relativamente fácil colocarmo-nos pessoalmente através da palavra escrita, enquanto sentíamos uma acolhida recíproca de liberdade e respeito que cada uma de nós, trazemos de nossas próprias histórias familiares, sociais e pessoais. Participamos destas tertúlias literárias oito mulheres: Maria Guadalupe Pedrero-Sanchez (Marilupe) de Ávila; Ângela Reñones, de León; Josefa Buendía Gómez (Pepita), de Múrcia; Guadalupe de la Concha Leal (Guada), de Extremadura; Micaela Godoy, das Ilhas Canárias; Teresa Bozinis, de Madrid; Arantxa Ugartetxea Arrieta, de Donostia-San Sebastián; e como coordenadora e, ao mesmo tempo, escritora a já citada Maria de la Concepción Piñero Valverde (Concha), de Sevilha. Todas diferenciadas pelas origens geográficas e político-ideológicas peculiares.
É muito o que nos une e, ao mesmo tempo, vivências muito reais vão imprimindo cor, diferenças e mais realismo a aqueles anos vividos por nós, sob um condicionamento social que até o dia de hoje marcou nossas vidas. Completamos o trabalho e o livro já foi lançado com o título: Recordando no Brasil a Espanha de Ontem: Conversas Femininas, pelo “Centro Cultural Poveda, Editora Madruvá y Gaves”, da cidade de Campinas (São Paulo), no dia 5 de novembro deste ano 2004. http://www.hottopos.com , fone (11) 3819-3171. Todo o trabalho foi escrito em português, exceto Peinando recuerdos (de Pepita) y Entre la exigência y el deseo (o meu), que estão em castelhano.
Não pude estar presente no dia do lançamento, mas teria sido maravilhoso e, de fato, era meu desejo sincero; entretanto, devido a mudanças de calendário e outros compromissos já agendados na data, não me foi possível comparecer. De qualquer forma, fiz-me sensivelmente presente, segundo alguns comentários posteriores muito agradáveis que tive a oportunidade de ouvir. A “tortilla de patatas y el vino” estiveram presentes, creio que foi uma belíssima festa, um encontro festivo e alegre à altura do trabalho realizado. Minhas palavras para aquele ato tão extraordinariamente feminino foram as seguintes:
RAÍZES DE UMA IDENTIDADE FEMININA
Queridas companheiras, queridos amigos y amigas. Mais uma vez esta Universidade Pública de São Paulo, me brinda a oportunidade de expressar-me a partir da minha identidade de mulher basca, rodeada por histórias pessoais femininas que partem da realidade de uma guerra civil padecida e protagonizada por nossas famílias, de origens ideológicas e geográficas muito diferentes, mas que pertencem ao que hoje denominamos Estado Espanhol. Em contraposição a esta realidade, quero dizer que o motivo de minha vinda ao Brasil radica na resposta feminina ao apelo do amor e da paixão, que um dia um gudari, soldado basco do lado republicano na guerra civil espanhola, teve a coragem de fazer-me, nestas terras nas quais encontrou acolhida, compreensão e liberdade para poder expressar sua identidade basca, não nas trincheiras mas em sua amorosa masculinidade.
Esta é minha raiz brasileira e a partir dela tento resgatar fragmentos de minha vida, para juntamente com vocês ir tecendo uma renda colorida, sincera e espontânea, prelúdio talvez de outras enriquecedoras tertúlias femininas. Foi minha intenção expressar neste trabalho literário aspectos de minha vida que “têm colaborado para o desenvolvimento de minha identidade de mulher basca, que vai ao encontro de outras culturas e que se abre à solidariedade com mulheres e homens de diferentes cidades”. Assim está na apresentação do livro e assim me sinto. Muito obrigada por sua compreensão e sensibilidade femininas. Acolher a vocês não é difícil para mim. Vislumbrar sua sensibilidade e capacidade de discernimento foi como um bálsamo. E ... rastreando minha própria identidade, encontrei-me com a de vocês, e nesse desejo de auto-afirmação pessoal, que vai avançando apesar das dificuldades e obstáculos femininos, nunca falta essa ternura tão íntima que nos caracteriza.
Não houve guerra somente nas trincheiras, houve também na retaguarda. Histórias cidadãs perversas foram uma realidade e somos conhecedoras dos traumas pessoais ocasionados por elas. Definitivamente, a brutalidade e a morte anularam identidades ideológicas, nacionales, familiares, amorosas e pessoais. Nossas histórias podem ser consideradas rotas marcadas pelo desejo da auto-afirmação pessoal feminina, carregadas de raízes familiares, truncadas pela guerra, mas que voltam a florescer, para dar seus frutos, hoje, em terras brasileiras. Fomos lavradoras de nossas terras de origem e das da emigração, para recolher frutos copiosos em ambas. Em nossas vidas não existe mais o respeito às trincheiras, simplesmente não as queremos. Detestamos a guerra declarada e a solapada. Somos mulheres que admiramos o conhecimento, que batalhamos por nossa liberdade, que gostamos de amar e ser amadas a partir das diferentes plataformas que o amor, como filhas, mães, amigas, companheiras e esposas nos depara.
Entretanto, é meu desejo também sensibilizar-me com essa figura masculina com que cada uma de nós convive nas diferentes histórias protagonizadas. O amor do homem é para nós fundamental e insubstituível em nossa feminilidade, chame-se pai, filho, tio, irmão, amigo, companheiro ou esposo. Sem vocês nos sentimos como em terra de ninguém, por isso não queremos perdê-los em batalhas criminosas, ao contrário, queremos desfrutar de sua presença e companhia solidária, de seus cuidados afetivos que nos ajudam a crescer em espaços abertos e claramente excludentes das trincheiras que podem limitar nossas vidas. Quero continuar vivendo com vocês, amigas e amigos. Este é meu desejo.
Concha, a través de um e-mail, disse-me o seguinte com relação ao ato de apresentação: “Depois abriu-se um debate interessante e sua mensagem foi lida. E antes de finalizar-se a leitura, seu texto foi interrompido com aplausos. E, ao final, mais aplausos” Por isso, já em minha terra e de volta, quero dizer que eu também aplaudo suas palavras, sua acolhida, sua categoria pessoal e literária, mas acima de tudo essa mulher que vislumbro em cada uma, a partir dessa plataforma tão extraordinária que foi o relato dos autênticos fragmentos femininos de uma pós-guerra, que hoje, a partir do Brasil, consideramos livremente com o calor das mais ternas recordações familiares da época. É mais um presente proporcionado por essas terras cálidas, através dessa cultura brasileira, com características maternais e paternais. O sol do trópico cultural nos tem feito muito bem e hoje podemos dizer que também nos une o Brasil.
![]() | Aurreko Aleetan |